Era manhã de Natal.
Deixei uma Cracóvia cheia de luzes e enfeites para atravessar paisagens desoladas rumo à cidade de Oświęcim, que passou à História Mundial da Infâmia pelo nome que os invasores alemães lhe deram, e que se estendeu ao campo de extermínio que lá ergueram:
Auschwitz.
Caminhei até o campo homônimo e quase não consegui transpor o macabramente irônico “Arbeit macht frei” / “O trabalho liberta” de seu infame pórtico.
Vencida a vontade de sair dali correndo, visitei seus sólidos e aparentemente espaçosos barracões, onde se desenrolava a exibição que expunha, de maneira crua e assentimental, a torpeza e o calculismo dos imensos crimes cometidos ali. Pilhas de cabelos humanos, em vagarosa decomposição. Montanhas de valises e malas, comoventemente identificadas, como se estivessem à espera de seus donos.
Montanhas de valises e malas, comoventemente identificadas, como se estivessem à espera de seus donos. Foto: Henrique Bente Pilhas de cabelos humanos, em vagarosa decomposição. Foto: Henrique Bente
E corredores e mais corredores tomados de fotos de prisioneiros, que eram minuciosamente documentados, como se ali mesmo se iniciassem os cruéis experimentos a que muitos seriam submetidos.
Czesława Kwoka, católica, com 14 anos; foi prisioneira. Foto: Wilhelm Brasse
Dezenas, centenas de olhos estalados, entre outros semblantes totalmente desmontados e destruídos, e todos gritando em uníssono para que só eu os escutasse:
MORTE.
Segui a pé, pois o ônibus não funcionava no Natal, até o campo vizinho, ampliado e aperfeiçoado para o extermínio rápido das massas de indesejáveis ao Reich que lá chegavam aos vagões. Atravessei campos nevados da localidade de Brzezinka até encontrar trilhos e, voltando os olhos para onde eles vinham, vi o pórtico daquele outro nome da morte:
Birkenau.
Pórtico de Birkenau, com os trilhos em direção ao portal. Foto: Henrique Bente
Pouco do campo restara de pé, pois os nazistas tentaram destruir as provas de seus crimes – como se sequer o pudessem, depois de tanta indescritível crueldade com inocentes e indefesos! No entanto, aquele descampado imenso permeado por ruínas perfeitamente alinhadas, e os fornos crematórios ainda cobertos de cinzas e alcatrão, na companhia tão só da neve e do silêncio, me quebraram completamente.
Assim foi minha primeira e única visita a Auschwitz.
Que esses crimes e suas vítimas jamais sejam esquecidos.
Frase “Nunca mais” em diversos idiomas. Foto: Henrique Bente
Uma homenagem às vítimas do Holocausto no 75° aniversário da liberação do campo de extermínio alemão de Auschwitz-Birkenau.